quinta-feira, 29 de setembro de 2005

mais um elo na cadeia

(Isto de resumir a vida a TOP10’s pode ser perigosamente redutor e, ao mesmo tempo uma forma interessante de sintetizar o que nos constitui. Apesar de recorer frequentemente a este estratagema nos meus diários de viagem, parece-me estranho fazê-lo aqui. Assumo-o como resposta a um desafio.)

5 coisas que me tiram (um pouco) do sério:
_climas húmidos e demasiado quentes
_açucar às colheradas
_tocar em esferovite
_o barulho dos foguetes
_ar condicionado
_leitores de CD’s a fazerem grrrrrrrr
_gemadas
_sapatos apertados

Gosto especialmente:
_da luz de lisboa as oito da manhã de um dia de inverno e às oito da noite de um dia de verão
_pensar com uma caneca de café ou chá entre as mãos
_andar (km e km e km) e superar os meus limites
_do Y à sexta-feira
_esticar o corpo até me doerem os músculos
_do vento, do movimento e de contemplar
_de me perder (no espaço, no tempo, …) e de viajar
_de mapas e do frio
_de ver dançar e andar descalça
_das mil tonalidades do branco

5 cidades:
_Lisboa
_Barcelona
_Praga
_Marrakeche
_Buenos Aires

5 sons:
_da trovoada
_do catalão e do castelhano da América do Sul
_do cantrabaixo e do saxofone
_das gargalhadas
_dos segredos

5 imagens:
_da imensidão do deserto
_da miséria dos subúrbios da argentina
_de lisboa do alto de lisboa
_de um recreio cheio de miudos a brincar em dias de sol
_da guernica, do Picasso; do david, de Miguel Angelo

Álbuns no Ipod:
_ben harper
_jorge drexler
_xutos
_humanos
_narcotango
_dave matthews

5 pessoas a quem passo a palavra:
_não, nao passo a palavra a ninguém porque sempre fui perita em cortar cadeias!!!
E se passasse escolhia Jesus Cristo, Freud, Ernesto Guevara, Sartre e um vagabundo, para me darem as respostas.

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

voltar a dança

Mês e meio sem ver dançar quase me tinha feito esquecer o quanto preciso de ver corpos a desafiar as leis da gravidade. A esticar aos limites da elasticidades, a permanecer no ar para além do tempo permitido ao ser humano, a passar do chão para os braços de outros e de novo para o chão, passando pelo ar.
corpos silênciosos, plásticos
corpos ruidosos que chocam
corpos que voam e rastejam
corpos terrenos e imateriais

e para aliviar a angústia de uma temporada sem ballet gulbenkian, aqui ficam alguns consolos, a ver no teatro Camões
_Uma noite com Ella, LBC, Benvindo Fonseca [23 Set]
_Pedro e Inês, CNB, Olga Roriz [7,8 e 9 out]

no se que Dios es el mío ni cuales son mis hermanos

MILONGA DEL MORO JUDÍO

Por cada muro un lamento
en Jerusalén la dorada
y mil vidas malgastadas
por cada mandamiento.
Yo soy polvo de tu viento
y aunque sangro de tu herida,
y cada piedra querida
guarda mi amor más profundo,
no hay una piedra en el mundo
que valga lo que una vida.


Yo soy un moro judío
que vive con los cristianos,
no sé que Dios es el mío
ni cuales son mis hermanos.

No hay muerto que no me duela,
no hay un bando ganador,
no hay nada más que dolor
y otra vida que se vuela.
La guerra es muy mala escuela
no importa el disfraz que viste,
perdonen que no me aliste
bajo ninguna bandera,

vale más cualquier quimera
que un trozo de tela triste.

Y a nadie le dí permiso
para matar en mi nombre,
un hombre no es más que un hombre
y si hay Dios, así lo quiso.

El mismo suelo que piso
seguirá, yo me habré ido;
rumbo también del olvido
no hay doctrina que no vaya,
y no hay pueblo que no se haya
creído el pueblo elegido.

Yo soy un moro judío
que vive con los cristianos,
no sé que Dios es el mío
ni cuales son mis hermanos.

[letra: Jorge Drexler e Chicho Sánchez Ferlosio]

domingo, 25 de setembro de 2005

O preço de um sonho

É fácil dizer que um sonho vale muito. É fácil dizer que vale tudo.
Afinal, se é na sua direcção que vai o caminho da nossa felicidade, um sonho vale… a luta de uma vida. E no entanto, estas palavras parecem-me agora demasiado adolescentes, demasiado fáceis de se dizer, demasiado bonitas e pouco reais.
E quando os sonhos têm preços demasiado altos? Será que perdemos as forças na luta? Será que desanimamos antes sequer de começar a lutar?

Esta semana uma amiga minha fez as malas e partiu. Partiu em busca do seu sonho. Partiu por seis anos. Em três dias, comprou uma passagem de avião e fez-se à vida. Teve a coragem de não inventar desculpas para ficar.
Teve a inteligência de não esperar o tempo necessário para ter dúvidas.
Teve a força de olhar nos olhos cada um dos amigos e dizer:
_são só seis anos… (como que a reforçar a relatividade do tempo ausente)
E partiu.
Deixou-nos a nós perplexos. Não pela ida, mas pela determinação com que seguiu o seu caminho. Sem olhar aos custos. Sem se deixar aprisionar pelas coisas, pelos outros.
E fez-me pensar que esta questão do custo de um sonho, deve ser uma invenção de uma mente a tornar-se viciadamente adulta

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

os meus mini alunos

-professoooraa
(pausa e suspiro)
já tinha saudades suas!

e depois disto, uma tarde de aulas, só pode correr bem!

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Ainda sobre a dignidade

Eram dez e meia da noite de uma terça feira vulgar, 10 ou 12º, bastante humidade e o céu escuro. Saímos do metro, numa estação terminal para apanhar o comboio naquela que seria, a estação correspondente aos Restauradores: um edificio imponente, estruturas de metal com anos de história e vários combóios, com direcção aos limites da grande Buenos Aires. “Constituición”, durante o dia, é uma estação que fervilha de gente: a entrar e sair da cidade, a correr para o emprego, a tomar café nos cafés improvisados na gare. Há ritmo e vida naquele lugar de ninguém.
Eram dez e meia da noite, de uma terça feira de trabalho e vi, naquela estação, um mundo que não conhecia. Crianças sujas e esfarrapadas acotovelavam-se para tentar a última esmola do dia. As que já tinham desistido, procuravam um canto, menos frio para dormir, entre caixotes e cobertores sem cor. Outras fumavam e riam alto, mostrando que a vida lhes roubara a infancia que o corpo ainda indicava. Mulheres amamentavam miúdos demasiado grandes para sobreviver de leite materno. Homens sem idade juntavam papel e cartão. Recolhiam do chão e amontoavam tudo o que pudessem vender ao kilo por uns míseros pesos. Famílias inteiras arrastavam-se cinzentas e sem rumo pela monumental estação. Claro que eu já vi muitos pedintes, muitos mendigos e muitos sem-abrigo. Mas aquele terminal de combóios, de noite, transforma-se numa autêntica cidade-fantasma. Onde as pessoas já não têm expressões, número ou género. Os corpos são imensos, amontoados, arrastados….
Comprei o meu bilhete e durante muito tempo fui incapaz de pronunciar uma palavra.
Pouco passava das dez e meia da noite e, ao entrar no comboio, tive a sensação que deixava para trás outro mundo.
Um mundo onde se passou o limite da pobreza.
O mundo da miséria.

domingo, 11 de setembro de 2005

problema de expressao

Ontem percebi que ainda não estou preparada. Para grandes multidões, para jogos de futebol, para noitadas de copos. Depois de um mes passado onde o tempo correu com outra cadência, depois de vista a miséria na outra ponta do mundo, a reentrada na minha vida de sempre não é linear. Mais de quatro pessoas é uma imensidão de gente e perdi (momentaneamente, espero) a vontade de grandes eventos sociais.
E às vezes sinto que não há expressões em português para traduzir o que sinto.
Exceptuando talvez, a saudade…

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

4 rodas e pouco mais




e quando chove...


...a lama das ruas sem alcatrao transforma-se em espelho

terça-feira, 6 de setembro de 2005

sábado, 3 de setembro de 2005

De volta à minha adolescencia

e aos seus heróis.

Devorei cada palavra, cada imagem da pequena casa-museu de Alta Gracia, onde viveu Ernesto Guevara muito antes de se tornar no Che.
Os seus olhos já nasceram com a intensidade que lhes conhecemos da fotografia que o mundo difundiu como ícon da luta pela igualdade social. (e de que cada um se apropria para simbolizar a sua propria luta)
Ao que parece foi um menino meigo e com muitos amigos com quem gostava de brincar às guerras. Era sempre o lider do grupo. A asma tornou-o devorador de livros e capaz de superar o seu próprio físico. As viagens tornaram-no consciente da realidade da América Latina. Quem o tornou revolucionário? E poeta? O que o tornou capaz de, ao mesmo tempo, matar a sangue frio e emocionar-se pela miséria alheia?

Esta foi a herança que deixou aos filhos, escrita numa carta antes de abandonar Cuba, em 1965:

“Sobre todo, sean siempre capaces de sentir en lo más hondo cualquier injustícia cometida contra cualquiera en qualquier parte del mundo. Es la cualidad más linda de un revolucionario.”

Esta é também parte da herança que levo da Argentina.