terça-feira, 28 de junho de 2005

crash

"moving at the speed of live, we are bound to collide with each other."













Foi interessante ver como o melhor do filme esteve concentrado antes do início do mesmo. O design vale a pena, as imagens iniciais, quase abstractas, são muito bonitas, o lettring e a primeira frase pagam o bilhete de cinema.
Daí para a frente é uma monotona história de preconceitos filmados de forma forçada (mesmo que não moralista), com uma imagem irritantemente colada ao que o Magnólia tinha de melhor (e que aqui não é boa)
O site surpreende!

segunda-feira, 27 de junho de 2005

poemas pedidos!

para a Aua, no dia em que o adeus dela se torna em novo olá!

Adeus | Eugenio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

quinta-feira, 23 de junho de 2005

Norte (o meu)

Apeteceu-me voltar ao Jorge Palma, às letras, lê-las com atenção e ficar a remoê-las cá dentro.
Este verão decidi ir procurar o Norte bem pra sul. Voltar costas ao calor, à vida social e ao comodismo. Agarrar o meu velho sonho de "ir", sem um motivo lógico, num acto quase imaterial. Partir.
Parto em busca de mim na outra parte do mundo.
Parto em busca de um sentido para a vida, com a certeza de que a minha vida faz sentido aqui.
E em 48h, vou cruzar os céus, de São Petersburgo a Buenos Aires!

Volto as costas ao vazio
procuro o vento frio
o caruncho pode desfrutar
do meu velho sofá
deixo as manchas de café
o candeeiro de pé
vou em busca do meu Norte

Levo imagens que sonhei
tesouros que roubei
a famosa gabardine azul
tem mais alguns rasgões
levo as horas que perdi
o espelho a quem menti
sigo em direcção ao Norte

Quantos pontos cardeais
ficarão no cais da solidão?
Quantos barcos irão naufragar,
quantos irão encalhar na pequenez
da tripulação?

Deixo os dias sempre iguais
os mundos virtuais
deixo a civilização que herdei
colher o que plantou
abandono o carrossel
a Torre de Babel
deitei fora o passaporte

Confio às constelações
as minhas convicções
quebro o gelo que se atravessar
no rumo que eu escolhi
o astrolábio que há em mim
vai respirar enfim
hei-de alcançar o meu Norte
[Norte(o meu), Jorge Palma]

sábado, 18 de junho de 2005

adriana partimpim

O concerto foi bem feito, encenado, cheio de barulhos, caixas de música e brinquedos divertidos.
Soube a pouco, a curta hora de partimpim.

Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Saddam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba: todo mundo teve infância Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar
Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano
Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao-Tsé, Moisés, Ramsés, Pelé
Gandhi, Mike Tyson, Salomé
Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você
e também eu e você
e também eu e você

[Saiba Arnaldo Antunes]

segunda-feira, 13 de junho de 2005

urgentemente

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

[Eugénio de Andrade]

tributo ao poeta

Respiro o teu corpo

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

[Eugénio de Andrade]

sábado, 11 de junho de 2005

(in)dependencias

As vezes penso se não me estarei a tornar irremediavelmente independente. A minha música fechada numa caixinha branca de som que viaja imperceptivel no bolso, os meus deambulares contemplativos pelas cidades, o prazer dos cafés ao ar livre com o jornal pousado entre a mesa e as pernas.
A comodidade da minha solidão está a tornar-me sarcástica perante dependências e relações viciadas, perante as manias a que os outros se sujeitam por medo de não terem ninguém ao lado. E, ou são os meus olhos que também já estão viviados ou, às relações que observo falta, a maior parte das vezes, oxigénio.
E vivo nesta fronteira entre o confortavel que é gerir autonoma a minha própria vida sem aturar a agressividade, a culpa e o egoísmo de alguém e a vontade que tenho de partilhar com outros a música que trago dentro de mim.