Gostei particularmente da forma como o brasileiro retratou Africa no filme the constant gardener. Não precisou do cliché do gigante pôr do sol para mostrar o calor e a beleza natural. Não precisou de se fixar na desgraça para mostrar a fome, a doença e a morte. Há um imenso humanismo na vida daqueles bairros que não têm mais que gente, demasiada gente, caixotes grandes a que alguém chama casa, pó e pouco mais. Há um gigante humanismo na forma de filmar os miseraveis arredores de uma cidade como Nairobi. Onde os sons das pessoas, a cor dos tecidos e os sorrisos mostram a vida que esquecemos que existe no fim do mundo.
Ao olhar Nairobi através da lente de Fernando Meireles, os meus olhos rapidamente se alagaram. Ver Tessa (Rachael Weisz) muito grávida no meio de um bairro onde provavelmente mais de metade das mulheres morrem de sida fez-me pensar que estar ali é aquilo que não tenho coragem de fazer. Já percebi que a minha capacidade de adaptação me concede o ser realmente feliz no meio do urbanismo de Lisboa e da miséria de um qualquer bairro de lata. A contradição de precisar de cinema e exposições e sobretudo dos que me são queridos e conseguir viver plenamente sem nada é assustadora. Mas é real em mim. Sei que a minha vida teria sentido também na outra ponta do mundo; sei que as minhas alegrias seriam igualmente fortes e as minhas tristezas igualmente dramáticas. Prevejo que a intensidade com que vivo tudo duplicaria e que seria mais complicado encontrar a paz no meio da injustiça humana.
O que para mim se tornou ontem mais claro foi o papel de cada um de nós num bairro como aquele. Porque os europeus, os norte-americanos, os ricos, (e não todos, só os que têm instinto de justiça e mudança) entram em Àfrica de uma forma muito aceptica. A chegada é feita em aviões brancos, de onde caem alimentos e medicamentos, de onde saltam médicos e membros de variadissimas ONGs que partem, repartem e acabam por partir eles próprios, de novo, em aviões imaculadamente brancos. E o avião do filme fez-me pensar que papel temos realmente na mudança destes países. Mesmo quando há quem entregue a vida por essa mudança.
E do cómodo que é fazer comentários on-line de uma boa casa em Lisboa arrisco-me a dizer que, se tivesse coragem de partir, eu quereria viver descalça na terra do nada.
2 comentários:
Essa consciência, esse modo de ver a vida, essa adaptabilidade e até esse amor a Lisboa faz parte do que leva as pessoas a gostar tanto de ti... E num tom pessoal... ainda bem que não vais embora...
que estranho.... descobri alguem que escreve... muito fixe...
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